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quarta-feira, fevereiro 15

UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA



O menino queria apenas brincar. Mas o cão não entendeu.
De um lado, a inocência do menino. Do outro, a ferocidade do cão.
Morreu o menino. Sacrificado foi o cão.
Tragédia anunciada?
Sim, apenas mais uma.
E o que fica, de fato, ao fim e ao cabo de tudo?

Ao contrário do coração do menino, o da jovem mãe ainda bate no peito. Tem mais dois filhos pequenos para criar.
Mas ela nunca mais será a mesma.
Disso eu tenho certeza!

Minha mãe também perdeu sua filhinha numa tragédia.
Uma tragédia que os homens poderiam ter previsto, e principalmente evitado.
Uma TRAGÉDIA ANUNCIADA.

Aquela que ninguém quer, ninguém deseja, ninguém espera, mas que acontece.
É quando a negligência dos "responsáveis" se faz presente. Quando eles não tomam os devidos cuidados. Quando não providenciam o mais básico, o essencial.
Como aconteceu no caso do cão feroz, uma "mistura de pitbull com rottweiler".

Ora, um cão é um cão. Não raciocina. Age por instinto. Pode parecer manso, e agir como tal, até o dia em que o gene da ferocidade das raças combinadas se manifesta.
Ninguém pode "prever" esse dia. Por isso, seu dono precisa se "precaver". Prever até o imprevisível. Assim como quem guarda um revólver em sua casa.

Minha mãe também tinha outros filhos. E foi por eles que continuou vivendo.
Mas ela nunca mais foi a mesma.
Viveu apenas pela metade, e com um sentimento eterno de culpa.
"Por que não fiz isso, por que não fiz aquilo..."
"Por que, meu Deus, por quê?"
Um martelar incessante, torturante, levado para a eternidade.
Mas a culpa não foi da minha mãe.
Ela só foi comprar o pão, e levou consigo sua filhinha. E o fez com todo o cuidado, com todo o zelo. Não podia, ela, prever o que era a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e imprevisível!

Assim como a culpa também não foi da mãe daquele menino. Ela estava trabalhando, e não tinha a opção de estar lá - onde gostaria de estar - junto do seu filhinho.

Eu já passei dos 50, mas jamais vou esquecer daquele dia, há quase 40 anos, em que minha mãe saiu à rua levando com ela sua menina de 1 aninho, que tinha o nome e a beleza de uma princesa - Grace.
Eu estava na escola, e fui chamada às pressas para casa. Quando cheguei, encontrei minha mãe já sozinha. Ferida no corpo e, pior do que isso, profunda e irremediavelmente dilacerada na alma.

Houve processos judiciais, que resultaram na absolvição penal do operário e na condenação civil dos poderosos. Houve, também, o posterior "sumiço" do processo de responsabilidade civil do cartório. O que impediu, pelo menos aqui na Terra, que se fizesse a "tal da Justiça". Mas essa, é uma outra história...

No caso do menino e do cão, de nada importa o que virá depois. Culpa ou dolo, condenação... ou não.
O que fica, de real, de concreto, é uma outra mãe dilacerada, que passa a viver somente pela metade.
Porque aquela sua "outra metade" - que queria apenas brincar - já não vive mais.

E a única coisa que pode trazer algum consolo ao coração dessa jovem mãe é pensar que o seu menino de 5 anos, que tinha o nome e a beleza de um rei - Gustavo - pode agora brincar em paz!


Da série "Passei dos 50", por Deborah Johansen.